terça-feira, 9 de setembro de 2008

Máquina do Hype*
Como os excessos de publicidade podem prejudicar nossa experiência de jogo

Por Fábio Santana:

“Tradução não é uma ciência exata”, disse, sabiamente, um amigo meu. Louis Hjelmslev, lingüista dinamarquês, afirmou que cada língua ordena a realidade de uma maneira distinta. O fato é que nós, brasileiros, não temos uma palavra para o termo de origem americana “hype”. Pode-se falar em “exagero”, “badalação”, “alarde”, mas nenhuma palavra, sozinha, sintetiza, com exatidão, o conceito carregado pelo termo original. É preciso explicá-lo em uma construção mais extensa: “propaganda ou discussão na mídia dizendo, ostensivamente, ao público o quão bom ou importante é algo”. Seria algo como “publicidade exagerada”. No âmbito dos jogos eletrônicos, a máquina do hype é bem conhecida, pois é a ferramenta de muitas empresas para alimentar, com seus excessos, o interesse do público.

Durante uma reunição de investidores em maio deste ano, Satoru Iwata, o presidente da Nintendo, ilustrou muito bem o problema: “Sentimos agora que as informações estão sendo consumidas e tornadas obsoletas mais rápido do que nunca. Quando penso na situação atual como um consumidor, quando sou exposto a novas informações cedo demais, sinto que já estou cansado do produto quando ele finalmente é lançado”.

Ironicamente (ou talvez este tenha sido justamente o motivo para a declaração de Iwata), um dos jogos recentes que teve a maior enchente de mídia foi Super Smash Bros. Brawl, da própria Nintendo. O jogo foi mencionado na E3 2005, teve o primeiro trailer exibido na E3 2006 e, a partir de maio de 2007, teve notícias diárias em um blog dedicado. Foram cerca de 300 atualizações ao longo de 11 meses. Quando enfim pude colocar as mãos no jogo, tive a impressão de que já conhecia mais do que deveria. Fico imaginando qual seria minha reação ao descobrir, jogando, cada personagem e golpe. Infelizmente, a alegria da descoberta, aquela doce sensação de voltar à primeira infância, me foi roubada.

Outro bom exemplo de como o exagero de publicidade pode prejudicar a experiência inicial com o produto é Metal Gear Solid 4. Durante quase três anos, Kojima e sua equipe produziram cerca de uma dúzia de trailers, alguns com mais de 15 minutos, exibindo personagens, cenas de ação e cenários diversos. Por mais que você não consiga, obviamente, ter noção do desenrolar da trama através de vídeos promocionais, trechos importantes deles passeiam entre o seu consciente e o seu inconsciente e se alojam em um e em outro, arruinando o efeito de surpresa que algumas cenas poderiam causar no produto final.

Alguns jogos, por mais que tenham ciclos de desenvolvimentos extensos e sejam divulgados com bastante antecedência, não são vítimas graves desse mal. É o caso dos jogos da série Final Fantasy e de muitos outros RPGs, que costumam ter apenas uma premissa básica revelada, bem como detalhes vagos de protagonistas e antagonistas. Áreas avançadas geralmente não são exibidas e as reviravoltas da trama não são nem de leve aludidas. A experiência final do jogador é preservada.

O Team ICO da Sony também costuma mostrar apenas o necessário. Foi assim com ICO, com Shadow of the Colossus e, agora, com seu próximo projeto, do qual só temos uma arte conceitual – e isso bastou para despertar o interesse, sem hiperbolismos. E o que dizer da Rockstar Games? Conhecemos seus projetos com bastante antecedência, mas só vamos ver as primeiras telas e vídeos dois ou três meses antes do lançamento.

Há diversas maneiras de divulgar produtos e gerar percepção, mas nem todas respeitam a castidade dos consumidores (ou mesmo os anseios da equipe de criação, em alguns casos). Se todos os departamentos de publicidade planejassem com mais cautela o que e quando deveria ser mostrado, valorizando relevância e não quantidade, nosso primeiro contato com os jogos seria mais epifania e menos déjà-vu.

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Fabio Santana, 29, iniciou sua carreira de jornalista de games em 1995 como editor da revista Gamers. Posteriormente, na Conrad Editora, lançou a revista SuperDicas PlayStation. Foi editor executivo do núcleo de games da Futuro Comunicação e editor da revista EGM Brasil. Atualmente, integra a equipe de jornalistas de games da Editora Europa, como editor do núcleo de Gaming Books. Também escreve para as revistas Dicas & Truques para PlayStation, GameMaster, Revista Oficial do Xbox 360 e NGamer Brasil.

* Texto originalmente publicado na Revista GameMaster nº 43, Agosto de 2008.

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